Há quem diga que a memória é como uma gaveta cheia: quanto mais anos passam, mais difícil se torna encontrar o que procuramos lá dentro. Mas isso não significa que a gaveta esteja vazia, apenas precisa de ser arrumada com mais cuidado, mais paciência, e talvez com uma ajuda extra.
O envelhecimento traz mudanças naturais ao cérebro. A velocidade de processamento abranda, a concentração distrai-se com mais facilidade, e o esquecimento de nomes ou de pequenas tarefas torna-se mais frequente. É normal. Mas o que muita gente não sabe é que o cérebro mantém a capacidade de criar novas ligações e de aprender até muito tarde na vida. Essa capacidade chama-se neuroplasticidade, e é a nossa grande aliada.
Melhorar a memória não é apenas possível. É desejável, necessário e, acima de tudo, uma forma de preservar autonomia e qualidade de vida.
Primeiro passo para uma mente desperta
Pode parecer curioso começar pelo corpo quando se fala da mente, mas a verdade é simples: um cérebro ativo precisa de um corpo em movimento. Caminhar regularmente, subir escadas, participar em aulas de ginástica sénior ou até dançar na sala são hábitos que aumentam o fluxo sanguíneo cerebral e ajudam na oxigenação do cérebro.
Estudos mostram que o exercício físico regular pode reduzir o risco de declínio cognitivo e melhorar a atenção, o humor e a memória. Além disso, o movimento diário traz um benefício emocional importante, já que oferece estrutura, socialização e bem-estar.
O ideal é integrar a atividade física nas rotinas simples: uma caminhada depois do almoço, cuidar do jardim, brincar com os netos. Não se trata de correr maratonas, mas de manter o corpo desperto e a mente curiosa.
Alimentação: o combustível certo para o cérebro
O cérebro também se alimenta e, de certa forma, é um dos órgãos mais exigentes. As dietas mediterrânicas, ricas em peixe, azeite, legumes, frutos secos e frutas frescas, são reconhecidas como protetoras da função cognitiva.
Nutrientes como os ómega-3, as vitaminas do complexo B e os antioxidantes ajudam a proteger as células cerebrais e a manter o cérebro jovem. Pequenas escolhas diárias, como trocar bolachas por fruta, ou cozinhar com azeite em vez de manteiga, fazem diferença a longo prazo.
E, claro, hidratação, já que um cérebro desidratado é um cérebro cansado.
Aprender, recordar, desafiar
A memória precisa de treino, exatamente como os músculos. Aprender algo novo (uma receita, um idioma, uma canção), jogar às cartas, resolver palavras cruzadas ou ler um livro em voz alta são formas simples de estimular o cérebro.
O segredo está na novidade. Quando aprendemos algo diferente, o cérebro cria novas ligações, fortalecendo a atenção e a capacidade de reter informação. É por isso que os programas de estimulação cognitiva, muitas vezes integrados em serviços de apoio a idosos, têm resultados tão positivos, combinando exercícios de memória, raciocínio, linguagem e coordenação de forma adaptada a cada pessoa.
Mais importante ainda é o treino ser um prazer. A motivação é o que transforma o esforço em hábito.
A memória também precisa de estrutura. Estabelecer horários fixos para as refeições, medicação e atividades diárias ajuda o cérebro a criar “âncoras” no tempo. Objetos essenciais (chaves, óculos, telemóvel) devem ter lugares definidos. E ferramentas simples como agendas, quadros de lembretes, caixas de medicamentos com divisões diárias podem ser um enorme apoio.
Pequenos ajustes no ambiente reduzem a ansiedade e libertam espaço mental para o que realmente importa.
O papel do descanso e do sono
Dormir bem é uma das formas mais eficazes de proteger a memória. Durante o sono profundo, o cérebro processa e organiza as informações recolhidas ao longo do dia, como se fizesse uma “limpeza” interna.
Idosos que dormem mal (seja por dor, ansiedade ou apneia) tendem a apresentar maior esquecimento. Criar uma rotina tranquila antes de dormir, evitar ecrãs à noite e manter horários regulares são gestos simples que fazem diferença.
Emoções e relações
Mais, a memória não vive isolada. Depende das emoções, da autoestima e das relações humanas. O isolamento social e o stress constante aceleram o declínio cognitivo, enquanto o convívio, o riso e as conversas estimulam o cérebro de forma natural.
Estar com os outros (seja numa caminhada de grupo, numa aula, numa refeição partilhada) ativa as áreas cerebrais ligadas à linguagem, à emoção e à atenção. Em termos simples, quanto mais vida há em redor, mais viva se mantém a mente.
Também o humor e a serenidade são aliados. Um ambiente calmo e afetuoso ajuda o idoso a sentir-se seguro, reduz a tensão e melhora a concentração.
Quando é hora de pedir ajuda
Cuidar de um familiar mais velho é uma tarefa exigente. Nem sempre é possível garantir todos estes estímulos e cuidados no dia a dia. É aqui que os serviços de apoio ao domicílio ou os programas especializados de estimulação cognitiva podem fazer a diferença.
Ter acompanhamento profissional não significa desistir do papel de filho ou cuidador, significa partilhar responsabilidades, garantir segurança e oferecer mais qualidade de vida, tanto para o idoso como para quem o acompanha.
Os profissionais especializados sabem adaptar os exercícios às capacidades de cada pessoa, acompanhar a evolução e, sobretudo, respeitar o ritmo individual. É um apoio técnico, mas também emocional: alguém que motiva, que escuta, que cria rotinas positivas.
Melhorar a memória na velhice é mais do que um exercício mental. É um gesto de amor próprio, um cuidado com a dignidade e com a história de vida de cada pessoa.